Guimarães Rosa, considerado o maior escritor brasileiro do século XX, produziu contos, novelas e romances conhecidos pelo exímio trabalho com a linguagem. “Reinventando” a língua portuguesa, Rosa construiu novos vocábulos que a libertam de sua função meramente utilitária, recuperando a linguagem poética. Representante da 3ª fase do modernismo brasileiro, Rosa cria uma literatura que aproveita e absorve o trabalho da Geração de 30, oferecendo outra resposta aos (mesmos) problemas brasileiros.
Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Guimarães Rosa
- 2 - Características literárias
- 3 - Grande sertão: veredas
- 4 - Prêmios
- 5 - Frases
Biografia de Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG), em 27 de junho de 1908. Filho de um pequeno comerciante, mudou-se para Belo Horizonte em 1918, para dar continuidade aos estudos. Formou-se em Medicina, em 1930, e exerceu a profissão em cidades do interior mineiro, como Itaúna e Barbacena. Durante esse período, publicou seus primeiros contos na revista O cruzeiro e estudou, por conta própria, alemão e russo.
![Guimarães Rosa é uma figura ilustre da literatura brasileira. [1]](http://s5.static.pornytrex.com/img/2020/01/guimaraes-rosa.jpg)
Versado em nove idiomas, Rosa ingressou na carreira diplomática em 1934. Foi cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha, até o fim da aliança entre os países durante a Segunda Guerra Mundial, o que o levou ao cárcere em Baden-Baden em 1942. Depois de solto, tornou-se secretário da embaixada brasileira em Bogotá, e então conselheiro diplomático em Paris. De volta ao Brasil, é promovido a ministro de primeira classe.
Em 1963 é eleito, por unanimidade, membro da Academia Brasileira de Letras. Foi também representante do Brasil no II Congresso Latino-Americano de Escritores e do Conselho Federal de Cultura, em 1967. Morre no Rio de Janeiro, em 19 de novembro desse mesmo ano, vítima de um enfarte.
Leia também: A prosa de sondagem psicológica de Clarice Lispector
Características literárias
Grande pesquisador e conhecedor de diversas línguas, Guimarães Rosa fez inúmeras viagens de campo, tornando sua literatura uma fusão de arcaísmos, cultura popular e mundo erudito. São principalmente as localidades rurais e seus universos de pobreza, sempre periféricas ao mundo do capital e da divisão do trabalho, que aparecem na obra do autor.
É nesse cenário que Rosa mergulha na experiência do homem iletrado, calcada na natureza, na religiosidade, no mito, na providência divina, num sentido de trabalho ligado a rituais antigos etc. Suas personagens, distantes da modernidade, recuperam um pensamento mítico-mágico: não enxergam o mundo prioritariamente pelo universo lógico-racional. O mundo mágico não é um universo do outro, mas se dilui na própria voz do narrador. Sua literatura adere-se ao mundo do homem rústico.
Esse universo do iletrado, privilegiado pelo autor, envolve uma busca poética e uma latente discussão acerca da arte. A visão de mundo que Rosa recupera é a do alógico. Crianças, loucos, velhos, deficientes, desajustados, milagreiros e até bichos: há um predomínio dessas vozes incomuns em sua obra, distantes da realidade empírica e concreta, mais próximas do mito. Essas personagens ganham um estatuto de vidência, pois o autor questiona a ordem do mundo lógico-racional, que entende os fatos como verdade e a poesia como imaginação.
O mito e o mundo encantado estão à margem da sociedade moderna; estão na boca e no imaginário dessas personagens desajustadas. E é nelas que Rosa vê a origem da poesia, que teria sido de certa forma contagiada pelas necessidades da vida fática, do desgaste da linguagem pela mera comunicação. “Não entender, não entender, até virar criança.”(“O Cara-de-Bronze”, em Corpo de baile, J. G. Rosa)
A verdade não está na realidade, mas na poesia. Rosa cria um universo atrelado a um estilo. Potencializa vários recursos da língua portuguesa para levar a cabo essa criação, de modo a superar o utilitarismo da língua. Ele constrói esse mundo mágico pela revitalização da linguagem, em busca de uma linguagem novamente poetizada, e o universo da “pessoa simples”, do iletrado, tem uma potencialidade poética.
Leia mais: Função poética da linguagem: inovação do código
Grande sertão: veredas
Grande sertão: veredas é o grande romance de Guimarães Rosa. Trata-se do longo relato de Riobaldo, um ex-jagunço que, já envelhecido e afastado das funções, põe-se em prosa com um visitante, letrado e urbano, cuja voz não aparece, e que deseja conhecer o sertão mineiro. Narrado em primeira pessoa, Riobaldo é aquele que conta a sua história e a trajetória dos seus pensamentos, refazendo as lembranças dos caminhos percorridos e trazendo à luz novas reminiscências.
De maneira não linear, como no fluxo da memória e das conversas ao pé da fogueira, o narrador conta a história da vingança contra Hermógenes, jagunço traidor, e envereda-se pelo labirinto dos sendeiros que o levaram à jagunçagem, aos recônditos do sertão, a espaços pouco conhecidos do Brasil.
![Grande sertão: veredas é um romance único, com uma narrativa peculiar. [2]](http://s1.static.pornytrex.com/img/2020/01/grande-sertao-veredas.jpg)
As paisagens por onde transitou Riobaldo apontam marcadamente para os lugares geográficos correspondentes aos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia. Não obstante, o sertão de Rosa, ao mesmo tempo, é e não é real. Não é só sertão geográfico, mas projeção da alma: Grande sertão: veredas é a alma de Riobaldo.
Esse sertão é do tamanho do mundo — ali estão os problemas locais, o coronelismo, o jaguncismo, as diferenças sociais. A eles acoplam-se os problemas universais. O sertão de Riobaldo é o palco de sua vida e suas inquietações; todos os episódios que relata são permeados de reflexões sobre o bem e o mal, a guerra e a paz, a alegria e a tristeza, a liberdade e o medo — os paradoxos de que é composta sua própria história e a história da humanidade.
Como nomear e identificar o bem e o mal no sistema jagunço, em que impera a violência e a luta pelo poder? Pelas memórias de Riobaldo surgem centenas de personagens e informações, um sem número labiríntico de falas sertanejas, vozes do povo perante uma estrutura de heranças coloniais que não se soluciona.
Também central é o tema do amor, encarnado na personagem de Diadorim, que interpola as lembranças de Riobaldo e que também não se soluciona. Diadorim é colega jagunço de Riobaldo, e em meio a esse universo viril e estruturalmente machista, a homossexualidade não é tolerável. Assim, ao passo em que suscita o desejo de Riobaldo, levanta também o incômodo e a não aceitação do personagem com aquilo que sente. É o conflito, novamente, entre o bem e o mal, em que Diadorim representa o diabólico, aquilo que Riobaldo rejeita, e ao mesmo tempo deseja. O desfecho do romance, porém, revela uma inusitada informação sobre Diadorim, que gera ainda maiores reflexões sobre o que foi e o que não foi vivido.Leia também: A engenhosidade poética de João Cabral de Melo Neto
Prêmios
- 1937: 1º Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Magma
- 1937: Segundo lugar no Prêmio Humberto de Campos, da Livraria José Olympio, pelo livro Contos
- 1946: Prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira, pelo livro Sagarana
- 1956: Prêmio Machado de Assis, Prêmio Carmen Dolores Barbosa e Prêmio Paula Brito, todos pelo livro Grande sertão: veredas
- 1961: Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra
- 1963: Prêmio do Pen Club brasileiro, pelo livro Primeiras estórias
- 1966: Recebimento da Medalha da Inconfidência e da condecoração da Ordem de Rio Branco
Frases
“A gente só sabe bem aquilo que não entende.”
“Moço! Deus é paciência. O contrário, é o diabo.”
"Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar."
"A colheita é comum, mas o capinar é sozinho."
“Coração cresce de todo lado. Coração vige feito riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores. Tudo cabe.”
“O senhor… mire e veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”
“O rio não quer chegar a lugar algum, só quer ser mais profundo.”
“Sorte nunca é de um só, é de dois, é de todos… Sorte nasce cada manhã, e já está velha ao meio-dia…”
“Quando o coração está mandando, todo tempo é tempo!”
Crédito de imagem
[1] /
[2] (Reprodução)
Por Luiza Brandino
Professora de Literatura